sábado, 22 de maio de 2010

Capítulo IV - Lembranças ao Vento

Eleanor LeBeau acordou, teve uma ótima noite de sono e estava muito feliz agora! Finalmente era o dia de sua formatura, finalmente seu amado professor a convidara para um encontro, tudo estava indo bem. Nada poderia ser melhor que aquilo, nada!
Um súbito medo correu pela sua espinha, ela sempre tinha medo quando tudo ia bem, sabia que sempre junto à grande felicidade vinha uma grande decepção, mas isso não ia atrapalhá-la hoje, estava muito feliz e nada tiraria esse animador sentimento dela.
A jovem tomou o café da manhã que tinha preparado na noite anterior como sempre. Já estava acostumada a viver sozinha. A vida de estudante fora de casa, sempre sem dinheiro e tendo que resolver todos os problemas sem sua família pela primeira vez. Eleanor não sabia se ia voltar pra casa dos seus pais em Châteauroux, ou se ia ficar em Paris.
Como era boa aluna, tinha conseguido um estágio em um museu que ajudaria a pagar suas contas caso ficasse para uma especialização, e claro, tinha o Fernando, o seu Beto que poderia fazê-la ficar mais!
Como de costume LeBeau iria à caminhada matinal com sua amiga, mas dessa vez não seria em um parque. Tinha combinado que hoje iriam pela famosa Avenida Champs Élysées, bem perto de onde ficava o café em que encontraria seu amado professor.
Eleanor estava eufórica. O que ele queria com ela? Só podia ser para falar que a amava. Beto nunca tinha dito isso, mas a jovem imaginava que seu professor sentia alguma coisa por ela, algo especial.
Sua amiga logo chegou a sua casa e foram para a avenida. A colega, que se chamava Fabienne Dorléac, não era muito bonita, era verdade, mas agradava a todos por sua simpatia. Tinha cabelos loiros e olhos castanhos claros, quase tão baixa e pequena como LeBeau, mas não tinha sua aparência frágil.
Assim seu sorriso de sempre Fabienne logo falou:
- Como estão indo as coisas Eleanor?
- Muito bem!
- Parabéns por sua formatura!
- Você vai lá não é?
- Claro que vou, arrumei até um vestido!
- Hum, você de vestido! Nunca tinha imaginado!
As duas riram disso, realmente Fabienne não era muito de usar vestidos, usava roupas mais práticas, roupas de fotógrafa como ela dizia. Assim depois de um tempo voltou a falar:
- E afinal de contas, o Mike também vai estar lá!
- Sim, Fá. Mas tome cuidado com ele, eu sei que ele é bonitinho...
- Ele é uma gracinha Eleanor!
- Sim, mas tome cuidado, ele não...
- Você já escutou aquela música?
- Eu... Qual, a Jái confiance em toi? – Perguntou LeBeau.
- Sim, a da Nadiya!
- Já minha querida, mas não sei se gostei...
- Ah, agora vai sair um álbum dela, Changer les Choses, eu acho.
- Hum. Vamos ver. Talvez eu goste, mas não gosto muito de música pop!
- Certo, mas por que estamos indo pela avenida hoje?
- Ah, é que eu vou encontrar com o Beto!
- Sei, vai falar com ele agora que você se formou né?
As duas riram novamente...
- Então eu ficarei aqui – disse Fabianne que parecia ter visto algo – Também tenho um encontro sabe?
- Quem?
A amiga se calou e Eleanor temia a resposta, mas logo suas suspeitas se esclareceram quando viu Alex Michael Carter encostar o automóvel.
- Man! – exclamou Alex – Por um momento eu achei que não encontraria vocês!
Mike era o aluno mais disputado pelas garotas do seu curso e ele se aproveitava disso muito bem. A jovem arqueóloga não gostava dele por achá-lo um completo canalha.
LeBeau fez uma expressão de tanto desgosto que sua amiga sentiu vontade de pedir desculpas por tê-lo chamado até ali...
- Bom! – disse Fabianne – Espero que não se aborreça por eu ter falado que estaríamos aqui!
- Por quê? – respondeu o estadunidense antes que quaisquer umas das duas falassem – Somos amigos e claro os melhores arqueólogos daquele curso, não é mesmo?
- Não! – exclamou rapidamente Eleanor – Com certeza temos as melhores notas, mas apenas saberemos se somos bons arqueólogos no futuro!
- Boa resposta! – elogiou Alex – Essa é a minha garota!
- Não sou sua garota! – a arqueóloga olhou para sua amiga – Acho que sou a única do curso a dizer isso, mas...
- Bom, acho melhor irmos então! – disse finalmente Fabianne, magoada com a indireta da colega.
- Até mais Fá!
- Até a formatura!
- Sim, até a formatura! See ya!
Eleanor refletiu por um tempo sobre os dois juntos e sabia que a amiga era romântica demais, seu coração seria partido por aquele cafageste, mas como dizer isso a doce Fabianne?
Não posso fazer nada agora, pensou. Assim voltou a caminhar e logo estava próxima do Café Montecristo, onde tinha combinado a se encontrar com o Doutor Vilela, seu amado professor. Sentou-se em uma mesa posta debaixo de um aconchegante toldo vermelho. LeBeau notou que podia ver o Arco do Triunfo de onde estava. Era simplesmente lindo.
Não demorou muito para que Fernando chegasse. Ela o olhou com ternura e sentiu aquele frio que sempre sentia quando ele estava perto. Beto a olhou rapidamente, desligou o celular que estava usando e sentou.
- Perdão! – iniciou Vilela – Estou atrasado não? Desculpe! Era minha mãe, ao telefone. Sempre fica nervosa antes de um show!
- Sim, claro! Sua mãe é cantora... Como se diz mesmo? Ah sim, de sertamejo!
- O termo correto é sertanejo! Mesmo agora ela tem receio do palco.
O brasileiro colocou um embrulho em cima da mesa. Será que era um presente para ela? Isso a fez lembrar que tinha um presente para ele, Eleanor o entregou.
- Eu obviamente já li sua tese, pequena! – disse o professor examinando o livro.
- Bem, mas essa é para você, quero que fique com ela.
- Quanto a isso eu lhe agradeço! Sua tese está ótima, é a melhor desse ano certamente!
- Achei que a melhor fosse à do Mike.
- Absurdo, eu te comparava com ele só para você se esforçar mais. Você sempre foi minha melhor aluna e de qualquer forma, Carter não passará de um ladrão de tumbas, não será um arqueólogo como você!
- Muito obrigada! É difícil tirar um elogio seu, heim?
- Você sempre recebe elogios meus, pequena. Espero não ter alimentado sua Hibris com isso!
- Ah tudo bem. Talvez só um pouquinho!
Fernando desviou o olhar, ele fazia isso às vezes e LeBeau não entendia o porquê. Ele pegou o embrulho que tinha e entregou a ela, sorriu e disse:
- Isso é um presente de formatura, espero que goste!
- Tenho certeza disso, Beto! Você me conhece muito bem!
- Não vai abrir? – Vilela perguntou evasivo.
- Depois eu abro, acho que você não me trouxe aqui só para isso?
- Bem, você terá minha recomendação para sua especialização, é o Dr. Alencastro que cuida dessa parte e...
- Não desvie do assunto professor, você me entendeu muito bem!
- O que você espera de mim Eleanor? Já discutimos isso.
- Sim, você disse que não me namoraria enquanto eu fosse sua aluna, bem, agora eu me formei e não sou mais.
Respirou fundo e tentou se acalmar. Ela o estava perdendo e sabia disso, não podia ficar desesperada, se não ele se decepcionaria, tinha que ser forte e firme, como seu amado!
- Você não está me escutando, eu...
- Eu vou voltar para o Brasil, Eleanor. Fui contratado para chefiar as escavações do Quilombo da Lua, provavelmente eu não vou mais voltar.
- Eu vou com você Beto, não quero te perder, eu...
- Não você ainda não entendeu, eu não posso te dar aquilo que procura!
- Entendi, você vai voltar para sua esposa, não é isso?
- Vou sim, voltar para ela e para minha filha, elas estão precisando de mim agora e não a como mudar isso!
- Eu também preciso de você, eu te amo, não consegue entender isso?
- Calma! Não fale desse jeito. Não posso fazer nada a esse respeito, você é jovem e linda, vai encontrar alguém, sinto muito por tudo isso!
Jovem, Fernando me vê como uma menina? Não, ela tinha que mostrar para ele que não era uma menina, que era uma mulher, que era melhor que a esposa dele. Não, isso estava errado.
- Veja bem, pequena! Isso não vai dar certo, você é uma pessoa fantástica, essa é a verdade, mas não posso te dar ilusões!
- Você vai embora, vai sair assim?
- Vou Eleanor, você vai ficar mal por muito tempo, mas vai melhorar, você é mais forte que imagina...
- Não sou nada! – LeBeau disse com desespero – Nunca serei nada!
Ele sorriu, lembrou de um poema de Fernando Pessoa, que sua aluna acabara de citar sem conhecer. Era um dos que mais gostava, olhou para ela com ternura e recitou:

“Não sou nada
nunca serei nada
não posso ser nada
À parte a isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo”

Vilela deu um último olhar para a jovem e saiu. Eleanor ficou desolada com a firmeza dele, ficou desolada por tê-lo perdido, pois sabia que esse era o amor de sua vida e ela não iria encontrar outro como ele.
Depois de um tempo LeBeau olhou para o embrulho e o abriu, reconhecera o chapéu Cury e sabia o quanto isso era importante para seu professor, sabia que não tinha como calcular o valor do presente que Fernando a deu.
- Sim, Beto eu vou te esquecer, vou ser forte e você ouvirá falar de mim antes que eu te reencontre, pode apostar! – Disse isso para si mesma, se levantou da mesa e saiu, mais determinada do que antes.


Eleanor sentiu uma dor profunda, uma dor na cabeça muito forte. Abriu os olhos, estava zonza. Levantou-se com muita dificuldade em entender o que estava acontecendo.
Demorou muito para se recobrar, agora ela lembrava! Sim, tudo isso tinha sido um sonho, sombras do passado, lembranças ao vento. Por que aquilo? Por que agora? LeBeau não sabia.
Então lembrou do vale, dos Acritós. Sim, tinha sido capturada e tão logo se lembrou, ela escutou um choro contido. Um som de sofrimento e angustia, mas que estava extremamente baixo que a francesa quase não ouviu. No entanto, reconheceu a voz...
- Fernanda é você?
- E... Eu... Você acordou? – gaguejou a antropóloga.
- Sim! – respondeu Eleanor – O que aconteceu? O que fizeram com você?
- E... Eles me prenderam. Meu Deus, eu os vi...
- Os viu? Como assim? O que você viu?
- Oguata! Ah, coitadinho dele! Ele não morreu com as flechas!
- Não?
- Sobreviveu e esperou aqueles índios se aproximarem... E matou um deles! Mandou um deles para o inferno!
- Entendo...
- Ah Eleanor você não entende nada... Eu os vi!
- Como assim? Fale logo!
- Esses acritós pegaram o corpo dele e trouxeram para a aldeia! Como se fosse um troféu! Deus, eles festejaram!
- Onde está o corpo dele agora?
- Meu Deus...
- Diga logo Fernanda! Vamos!
- Eles... Deus! Os índios o comeram!
- Mon Dieu!
- Eu os vi! Entende? E... Eu... Aaahhhhhhhh!
A jovem e assustada antropóloga olhou para trás de LeBeau e deu um berro horrendo. A francesa não teve tempo de olhar e teve seus cabelos puxados repentinamente com muita força. Sua amiga gritava, mas foi silenciada de alguma forma. Eleanor foi arrastada com extrema brutalidade até o centro de uma aldeia dos acritós, ela presumiu...
A arqueóloga ainda estava muito mal, mal conseguia ver aqueles indígenas que a cercavam. Assim, foi jogada aos pés de alguém, tinha tanto medo que quase não pode levantar o rosto e olhar, mas tomou coragem e pode ver a figura mais assustadora e medonha que tinha visto até então.



Nota do autor: A cantora francesa Nadiya realmente existe e em 98 ela estourou na França com o single Jái confiance em toi. E realmente depois disso, ela grava um disco chamado Changer les Choses.
A personagem Fabianne Dorléac, embora aparece pouco, teve seus fãs e realmente gostei dela. Seu nome é inspirado no nome de uma famosa atriz francesa e ela não é feia, como muitos pensaram, mas apenas não tão bonita quanto a Eleanor.
Queria dar mais profundidade ao sentimento entre os dois arqueólogos e acho que esse capítulo ajudou muito. Ainda tive a oportunidade de novamente mostrar o chapéu do Indy, esclarecendo melhor sua importância.

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